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ENTREVISTA DA REVISTA GERADOR A JORGE DE CARVALHO DO KINO-DOC

Publicamos integralmente a entrevista a Jorge de Carvalho do KINO-DOC, para a última edição da revista Gerador, dedicada ao cinema documental. Entrevista conduzida pelo jornalista Ricardo Gonçalves.

 

– Que tipo de cursos é que disponibilizam actualmente?

O Curso de Documentário e o Curso Avançado de Documentário, ambos semanais, intensivos, de cariz artístico e abertos tanto a leigos como a pessoas ligadas ao domínio audiovisual, sendo que para frequentar-se o Avançado antes é necessário concluir o Curso de Documentário. São cursos que propõem passar-se por todo o processo cinematográfico (pré-produção, rodagem e pós-produção) no desenvolvimento de um filme próprio, uma curta no 1.º curso e uma média ou longa-metragem no 2.º. Nos dois cursos a proposta, para além da componente prática, é ensinar cinema fundamentalmente através de imagens do próprio cinema, não só documental, visto acreditarmos que é indispensável perceber os dispositivos do grande laboratório do cinema que é a ficção para desenvolver-se cinema documental.

O KINO-DOC tem também, desde Junho passado, oficinas de Super 8, que são um contributo para manter viva a cultura do analógico.

 

– O KINO-DOC foi criado em 2012 com o objectivo de ministrar dois cursos de documentário. O que vos levou a interessarem-se por este formato?

Não existia nenhuma oferta que explorasse as novas possibilidades do vídeo, finalmente acessível a todos, e o ligasse à vida, à realidade, vinculando-o à arte do cinema e à prática do documentário, e sua história, mas também à filosofia da imagem, à experimentação, acompanhando, orientando, questionando e respeitando a visão do aluno. Isso não existia. O que havia era pesado, fechado, caro e desligado da arte do cinema ou da liberdade que o vídeo já proporcionava. A proposta do núcleo de cinema documental KINO-DOC era outra. Iniciámos a nossa actividade num semestre experimental em 2013, que correu tão bem, que só podíamos continuar.

 

– Nota nos cursos que existem em diversas escolas profissionais ou superiores que o ensino do cinema documental ainda não se encontra muito explorado?

No que diz respeito à realidade de Lisboa, que é a nossa, penso que não. E o KINO-DOC tem dado um sério contributo a esse nível. Temos tido dezenas de alunos ao longo dos anos profundamente satisfeitos com o nosso ensino, e com níveis de aprendizagem excelentes, como atestam desde muito cedo as presenças de filmes desenvolvidos no nosso núcleo em festivais internacionais.

 

– Falam, na apresentação do vosso projecto pedagógico, de democratização da prática da arte do cinema. O cinema documental é o formato mais acessível a essa democratização?

A democratização do vídeo ocorreu definitivamente na década que agora findou. Hoje em dia toda a gente filma, nem que seja com o seu telefone. Faltam é muitas vezes noções técnicas de como se filma e monta. O cinema documental ou de linguagem próxima do documentário é potencialmente, como se sabe, bastante menos caro que o cinema ficcional clássico e, por isso, mais democrático, sim. A isso aliamos os valores económicos dos nossos cursos, abertos essencialmente a todos, e alcançamos outra forma de democratização.

 

– Na sua opinião, existe nos últimos anos um interesse acrescido pelo cinema documental?

Sim, creio que isso é evidente. Este em grande medida tem sido para já o século do cinema do real. Muitas das propostas mais interessantes e de maior arrojo dos últimos 20 anos vêm de um cinema que parte do real, não necessariamente documental – esqueçamos de vez essa discussão serôdia que tenta apurar onde começam e acabam documentário e ficção –, um cinema que também não é forçosamente realista, mas de alguma forma próximo do cinema documental, quando não a ele plenamente filiado.

 

– No contexto do cinema português, considera que existe um legado importante ligado ao documentário?

Sem dúvida. O nosso cinema tem filmes documentais de valor inestimável ao longo dos tempos como “Douro, Faina Fluvial”, do Oliveira, um par de documentários de António Campos ou mais recentemente “E agora? Lembra-me”, de Joaquim Pinto. Temos a arqueologia política de Susana de Sousa Dias… Mas há outros exemplos… E, é sabido, vários cineastas portugueses nascidos já depois da revolução têm realizado documentários que enriqueceram o referido legado.

Fora de uma ideia ortodoxa de documentário temos ainda obras excepcionais, que ficcionando nunca se desligaram do real, e que são, por isso, parte da história do cinema documental, português e mundial, como “Maria do Mar”, de Leitão de Barros, e outras docuficções, como toda a obra de António Reis e Margarida Cordeiro ou o teatro cinematográfico de Pedro Costa, em que se vêem pessoas de verdade. E há outros nomes.

Em suma, o terreno do cinema do real, com todas as suas constelações, mais documental ou menos, é bastante fértil no nosso país.

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A edição 29 da revista Gerador, dedicada ao documentário, pode ser aqui adquirida:

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