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LO-FI ROCK ‘N’ ROLL REMIX: PROGRAMA KINO-DOC NA UNIVERSIDADE DO PORTO

O KINO-DOC apresenta “Lo-Fi Rock ‘n’ Roll Remix”, um programa de cinema na Universidade do Porto, inserido nas Noites no Pátio do Museu e em diálogo com a conferência internacional de subculturas KISMIF. Sessões durante o mês de Julho no pátio do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto.

1.ª sessão já na próxima sexta-feira, dia 1. Sessões seguintes nas sextas-feiras dos dias 15, 22 e 29. Sempre com início às 21h30. Entrada gratuita.

LO-FI ROCK ‘N’ ROLL REMIX é a continuação de LO-FI ROCK ‘N’ ROLL, programa KINO-DOC que ocorreu em 2019 em Lisboa, agora com outros filmes.

Lo-fi significa “low-fidelity”. A baixa fidelidade que é antípoda de “high-fidelity”.

Lo-fi Music é uma denominação que nasce nos anos 1980 associada à música caseira inspirada pelo “ethos” punk Do It Yourself. Esta música de “má qualidade” tantas vezes gravada no quarto durante os oitentas passou mais tarde a designar também gravações de bandas de garagem desde os anos 60. Por extensão fala-se em fotografia lo-fi, em cinema de ficção científica lo-fi (a “lo-fi sci-fi”), e menos em cinema lo-fi, de que se faz este programa.

LO-FI ROCK ‘N’ ROLL REMIX junta em cartaz 8 filmes lo-fi. E se o termo lo-fi soa a música popular, com a mesma se constituiu este programa. Emblemáticas “imagens pobres” de rock ‘n’ roll e seus arrabaldes. Género que incorporou sobremaneira na sua iconografia a linguagem visual lo-fi.

 

 

No âmbito da KISMIF, duas produções lo-fi do KINO-DOC estarão patentes, como instalações de vídeo, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Sala de Reuniões II). “Lo-Fi-Rock-n-Roll”, entre os dias 14 e 16/7, e “Punk Punk”, de 17 a 29/7, ambas realizadas por Jorge de Carvalho. “Punk Punk” é exibido ainda em tela grande a 12/7 no Rivoli. Mais informações sobre estes títulos no final desta página.

 

Dia 1 de Julho, sexta-feira, 21h30

200 MOTELS (1971, 1h39), de Frank Zappa, Tony Palmer

VILENESS FATS (1976/2021, 47 min.), de The Residents, Graeme Whifler

 

Dia 15 de Julho, sexta-feira, 21h30

ALL DOLLED UP: A NEW YORK DOLLS STORY (1975/2005, 1h36), de Bob Gruen, Nadya Beck

MISSISSIPPI, SUMMER ‘78 (1978, 21 min.) 1978, de Alan Lomax

 

Dia 22 de Julho, sexta-feira, 21h30

THE PUNK ROCK MOVIE (1978, 1h24), de Don Letts

URBAN STRUGGLE: THE BATTLE OF THE CUCKOO’S NEST (1981, 37 min.), de Paul Young

 

Dia 29 de Julho, sexta-feira, 21h30

1991: THE YEAR PUNK BROKE (1992, 1h34), de Dave Markey

MEETING PEOPLE IS EASY (1998, 1h35), de Grant Gee

 

Filmes com legendas em português.

 

1/7

200 MOTELS foi a 1.ª longa-metragem totalmente gravada em vídeo analógico PAL. É uma “trip” audiovisual dirigida por Frank Zappa em parceria com Tony Palmer, realizador que posteriormente se notabilizou em documentários musicais. Zappa também escreveu o guião e foi o autor da banda sonora, interpretada pelos seus Mothers of Invention e pela Royal Philharmonic Orchestra.

Retrato psicadélico dos Mothers of Invention em digressão, o filme é uma porta aberta para o universo surreal e mordaz de Zappa, aqui explorando ricamente as trucagens do vídeo.

 

VILENESS FATS é o nome da localidade ficcional onde decorre a acção desta fita inusitada e enigmática de uma banda que desperta esses mesmos adjectivos, os Residents.

Projecto megalómano não concluído, rodado de 1972 a 1976, a versão que apresentamos é uma edição “bootleg” de 2021 de uma jovem fã dos Residents, Lisa Doop, que aglutinou habilmente o argumento original com a versão incompleta do filme, publicada no formato VHS em 1984. “Vileness Fats”, que desde a sua idealização era uma festa de casamento entre o caligarismo e o vídeo monocromático de 1/2″, aproxima-se com esta versão ainda mais da linguagem do cinema mudo, com os entretítulos adicionados.

 

15/7

ALL DOLLED UP: A NEW YORK DOLLS STORY é um documentário do afamado fotógrafo de estrelas rock Bob Gruen e da sua companheira à época Nadya Beck. O casal seguiu os New York Dolls no seu apogeu entre 1972 e 1975, nas ruas e em clubes nova-iorquinos e em digressão pela costa oeste dos Estados Unidos.

Apenas lançado em 2005, o filme é uma viagem a preto e branco ao tempo em que despontava a invulgaridade do glam punk da banda, a energia das suas actuações e a extravagância da sua androginia, que fazia parte do dia-a-dia dos Dolls também fora dos palcos.

 

MISSISSIPPI, SUMMER ’78 é a designação que utilizamos para uma sequência que junta recolhas do Verão de 1978 no Mississippi (algumas delas utilizadas no documentário “The Land where the Blues Began”), pelo mago do microfone ambulante Alan Lomax, aqui acompanhado por uma câmara de vídeo lo-fi (numa altura em que toda a imagem videográfica era de baixa fidelidade).

Escutam-se guitarras, harmónica, bateria e um machado embatendo num tronco, que pontuam vozes de descendentes de escravos – uma cerca de arame em plano de fundo que aqui se vê faz-nos pensar noutro tempo daquelas terras de algodão.

 

22/7

THE PUNK ROCK MOVIE nasce das filmagens amadoras em Super 8 de Don Letts, DJ de reggae no grande vulcão do punk inglês em 1977 que era o clube londrino The Roxy. Por alta recreação, em plena actividade Do It Yourself, Letts resgata um valioso “zeitgeist” composto pelas aparições dos Sex Pistols, Clash, Slits, X-Ray Spex, Heartbreakers e outros, que passaram pelo histórico e efémero clube, que durou 100 dias apenas. 100 dias de uma Sodoma punk para sempre recordada.

Apresentamos uma transcrição da edição em VHS de 1987, que é considerada superior às edições digitais deste século.

 

URBAN STRUGGLE: THE BATTLE OF THE CUCKOO’S NEST foi também uma batalha pelos direitos do próprio filme, que o impediu durante décadas de ser exibido, circulando no mercado negro em cópias piratas em VHS e DVD. Um litígio que arrastou-se no tempo entre o realizador e o dono do clube de punk rock Cuckoo’s Nest, que o filme trata.

O Cuckoo’s Nest era o âmago da cena punk californiana de Orange County, e um lugar de culto que resistiu tenazmente durante 5 anos (até 1981, ano deste documentário) a pressões várias, dos tribunais aos ataques de cowboys que frequentavam o bar “redneck” seu vizinho.

“Urban Struggle” é um magnífico objecto antropológico da atitude punk.

 

29/7

1991: THE YEAR PUNK BROKE mostra os Sonic Youth em turné europeia e as bandas que os acompanharam: Dinosaur Jr., Ramones, Babes in Toyland, Gumball e Nirvana, antes da explosão global do single “Smells like Teen Spirit”, dos últimos, que mudaria da noite para o dia, nesse mesmo ano de 1991, a paisagem indie rock, aqui guardada em fita numa idade de alguma pureza. Há ainda uma leveza jovial em elementos dos Sonic Youth e dos Nirvana que desvaneceria com o sucesso planetário.

Filmado em Super 8, com posterior “blow-up” para 16 mm, passamos a versão digital concebida a partir de uma cópia DigiBeta, considerada pelo realizador de melhor qualidade do que a impressão em 16 mm.

 

MEETING PEOPLE IS EASY acompanha a digressão mundial dos Radiohead após o mui badalado álbum “OK Computer”. Gravado em vídeo digital e recorrentemente usando câmaras de vigilância, o filme tem uma estética lo-fi acentuada e um foco em representações da tecnologia e numa certa “angst” existencial. Não tivesse o realizador Grant Gee colaborado na Zoo TV dos U2. Mas essa é também em parte a contaminação da temática apocalíptica “fin de siècle” de “OK Computer”: controlo social, consumo em massa, alienação ou desilusão política. A que se junta em “Meeting People Is Easy” o peso da máquina do espectáculo.

Inesquecível o momento luminosamente lapidar e presciente, quando Thom Yorke reflecte coloquialmente sobre macroeconomia, afirmando que “O sistema bancário irá ruir…”. Pois ruiu. O “subprime” tratou disso exactamente 10 anos depois deste filme sair, dando razão à desconfiança de Yorke perante a “voodoo economics”, assim cantada em “OK Computer”.

 

 

SESSÕES PARALELAS DA KISMIF

 

14-16/7

“Lo-Fi-Rock-n-Roll” (2019), de Jorge de Carvalho

em “loop” na Sala de Reuniões II, Fac. de Letras, U. Porto

 

“VJing” de quatro horas ao longo da 2.ª metade do século passado, que foram por excelência os anos do rock ‘n’ roll. “Found footage” dos anos 50 de Sugar Chile Robinson na TV ou Elvis filmado em 8 mm até aos Jesus and Mary Chain no final dos 90s, já num gesto de citação da imagética lo-fi, passando por Jimi Hendrix, Velvet Underground, King Crimson, Can, Roxy Music, The Damned, Slits, Fugazi, Nirvana e tantos mais. Encontro com gravações antigas para televisão que ganharam o bolor do tempo, filmagens em formatos domésticos (Super 8, VHS, etc.), transcrições de película para vídeo, efeitos de sobreposição de imagem de vídeo analógico, “chroma keys” artesanais, et cetera.

 

17-29/7

Punk Punk” (2022), de Jorge de Carvalho

em “loop” na Sala de Reuniões II, Fac. de Letras, U. Porto

 

Convidado a escrever sobre um filme que ainda não existia, o realizador fabulou um mapa de uma viagem que poderá ter outras estradas, mas que terá sempre o espírito destas palavras:

 

“Punk Punk” será um filme que interpretará uma cosmogonia dilatada do punk, que possivelmente irá da sociedade humana, libérrima e sem classes, da pré-história às vésperas dos palavrões proferidos pelos Sex Pistols em directo na TV à hora do chá, corolário da dinamite antropológica que viera da América na mala de Malcolm McLaren. Dentro desse espectro temporal poderão caber ritmos de tribos ancestrais, a insubmissão dos escravos liderados por Espártaco, histórias medievais de bruxas e bruxos, François Villon, os Levellers, a Revolução Francesa e outras revoluções e revoltas, Kleist, “A Desobediência Civil” de Thoreau, Rimbaud, anarquistas, dadás e surrealistas, a delinquência dos “street gangs”, Debord, letristas e situacionistas, a câmara livre de Brakhage, a fábrica de Warhol, os accionistas vienenses, a arte bruta de Dubuffet ou a música bruta dos proto-punks.

Postas as origens, não necessariamente por aquela ordem ou outra, seguir-se-á o punk rock e a miríade dos seus subúrbios musicais, de épocas diversas e um pouco por todo o mundo. Mas também a fúria niilista, a tenacidade ética, o inconformismo, a subversão, a criatividade visual e até o feminismo, que brotaram das vozes, guitarras e baterias do punk. Uma raiva que é uma energia, que vem do passado para altercar com o nosso presente formatado e assético. Pouco dado a rebeldias.

E porque irritam os constantes exercícios laudatórios dos documentários musicais, este filme mostrará a subcultura libertária e positiva, mas igualmente o seu avesso abjecto, o punk intolerante e fascista. E para além do branco e preto simbólico destes pólos, muito do que será visto terá diferentes tons cinza, amoralmente tratados.

A viagem será orientada pelas cartografias de Jon Savage, Greil Marcus, Lester Bangs, Richard Meltzer, Greg Shaw, John Lydon, que também aparecerá de muitas maneiras e feitios, inclusive com uma t-shirt trumpista (boa forma de questionar o “no future” que bradava), Helen McCookerybook, Richie Unterberger, Simon Reynolds, Ian Svenonius e outros. Mas, como filme que se quer punk, não seguirá nada nem ninguém.

Por cortes e recortes serão destruídos registos históricos e enciclopédias. Darão uma colagem em vídeo. Um “détournement” que tentará resgatar um espírito gregário já longínquo, com imagens e sons roubados sem vergonha.

 

 

Programação e textos: Jorge de Carvalho, KINO-DOC